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Presídios de SP registram quase 40 mortes de presos por mês – Notícias

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“O perito levou o corpo no carro da funerária e, chegando ao cemitério, disse para o coveiro: ‘ah, é um detento’. Me deu tanta raiva ouvir aquilo. Falei que ‘era preso, sim, mas tinha família'”, conta, emocionada, a auxiliar de limpeza Weridiana Santos, que perdeu o filho, David, enquanto ele cumpria pena no CDP (Centro de Detenção Provisória) Pacaembu 2, no interior de São Paulo.


Entre 2018 e março de 2023, os presídios do estado registraram quase 40 mortes de presos por mês, de acordo com dados obtidos com exclusividade pelo R7 via Lei de Acesso à Informação e repassados pela SAP (Secretaria de Administração Penitenciária). No total, foram 2.492 óbitos no sistema penitenciário nesse período.



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Nos últimos seis anos, 225 casos foram registrados como homicídio e suicídio, o que representa 9% do total. Os outros 2.267 óbitos foram classificados pela secretaria como “causa natural”.


A SAP afirma que os presos passam por triagem ao entrar no sistema penitenciário, têm atendimento de saúde em todas as unidades e que casos mais complexos são encaminhados à rede pública de saúde. Veja nota ao final da reportagem.


Segundo dados obtidos pelo R7, a maioria dos presos tinha doenças como câncer, diabete, hipertensão, hepatite, pneumonia e trombose. Enfermidades essas que não costumam ser tratadas dentro das penitenciárias, apesar das equipes internas de saúde.



O filho de Weridiana Santos, por exemplo, descobriu uma doença no coração aos 18 anos, antes de ser preso por tráfico de drogas. A mãe conta que David passava mais tempo na cela de enfermaria do que na dele, mas sempre que ligava, a enfermeira dizia “estar tudo bem”.


Até que, em um domingo, o diretor do CDP (Centro de Detenção Provisória) do município de Pacaembu ligou para o celular da irmã de David avisando sobre o óbito dele após uma pneumonia. “Peguei o celular da mão dela, e o diretor disse que sentia muito. Caiu meu chão”, lamenta.

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David só poderia ser enterrado perto da família caso fossem desembolsados R$ 3.700 para o translado do corpo. Sem condições financeiras, Weridiana saiu de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, em direção à cidade de Pacaembu, a cerca de 600 km de distância.


Lá, Weridiana diz ter enfrentado uma série de humilhações em meio ao luto. Além de desconfiar que o filho não havia morrido por pneumonia, já que o corpo tinha marcas de agressão, a mulher ainda foi informada que a prefeitura não disponibilizaria um caixão para o enterro.



“Briguei, falei que ele não era nenhum indigente e que era obrigação da prefeitura fornecer. Passou cinco minutos, a assistente social conseguiu o caixão”, revela.


David foi velado em uma maca no meio do cemitério, longe da família. Agora, a mãe busca não só força para superar a perda, mas também a confirmação do que teria realmente causado a morte do filho.


“A administração da cadeia não vai se expor. Quanto mais detento sair de lá morto, para eles é melhor”, afirma.


A SAP diz que os “reeducandos têm atendimento à saúde garantido em todas as unidades prisionais do estado” e que, em casos mais complexos, são encaminhados para a rede pública de saúde.


Morte natural, suicídio e homicídio


Advogada e integrante da Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos), Viviane Balbuglio acredita que, em certos casos, a classificação de morte por causa natural “é uma forma de encerrar o procedimento burocrático para fazer a declaração de óbito”. 


A especialista participou da pesquisa Letalidade prisional: uma questão de justiça e de saúde pública, promovida pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). E leu diversos processos judiciais em que o detento solicitava acesso à saúde, ou tentava prisão domiciliar para conseguir tratar melhor da doença, tinha o pedido negado e, ao falecer, a morte era classificada como causa natural.

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“A partir do momento em que a prisão é colocada como uma instituição para resolver problemas sociais, ela precisa se responsabilizar por esses cuidados”, pontua.


Para Diego Polachini, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, “a cadeia é um ambiente insalubre e com pouca presença médica”. Ele conta, inclusive, que o órgão possui diversas ações para a obtenção de equipe mínima de saúde nos presídios, além de uma ação civil pública estadual para garantir esses direitos.



“Muitos presos morrem por doenças tratáveis e pela pouca presença médica [nas unidades prisionais]. A dificuldade de encaminhamento aos hospitais pode acarretar em mortes”, diz.


Além dos casos de doenças preexistentes, muitos detentos contraem problemas de saúde dentro das próprias unidades prisionais, como ocorreu com Pedro Henrique Valle Nascimento, de 20 anos. O jovem estava preso no CDP da Vila Independência, na zona leste de São Paulo, quando teria sido picado por um escorpião.


O caso ocorreu em julho de 2022. Pedro chegou a ser socorrido, ficou internado por cerca de duas semanas, mas veio a óbito.


Em entrevista ao R7 na época, a mãe de Pedro chegou a dizer que “animais vivem melhor do que presidiários” e afirmou que o filho tinha saúde perfeita. A SAP, no entanto, garantiu que fez inspeção e não encontrou a presença de escorpiões no CDP.


O Núcleo de Situação Carcerária realiza inspeções mensais nos presídios de São Paulo. Com 33 membros, as visitas ocorrem em equipes de três a quatro pessoas. Segundo Polachini, são quase 200 presídios no estado, o que faz com que os inspetores demoram entre 2 a 3 anos para voltar a uma mesma unidade. Em alguns casos, no entanto, as visitas são antecipadas por conta de alguma denúncia.


Além de bichos assolando os detentos, o núcleo já recebeu denúncias de tortura, falta de comida e de produtos de higiene, entre outras situações degradantes.


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“Entra e sai pior”


A esposa de um detento que está no Presídio de Martinópolis, no interior do estado, prefere não se identificar, mas conta que durante as visitas e nas cartas que escreve, pede para que o marido não se deixe abalar pelo que ele vivencia dentro da unidade.


“Ele foi preso por tráfico de drogas quando eu estava grávida de seis meses. Era dinheiro rápido e fácil, fazia isso porque queria nosso bem, mas não merecia estar passando por tudo que passa lá”, relata.


Segundo ela, o marido emagreceu muito porque a comida que oferecem é “podre” e os agentes penitenciários tratam mal os detentos, “fora toda a humilhação sofrida, principalmente quando precisam ficar pelados para trocar de celas”.


Para a advogada Viviane Balbuglio, um caminho para analisar as violações e os problemas que acontecem no sistema penitenciário é olhar também para a prática de quem está prendendo, desde a polícia até o judiciário, que, segundo a especialista, “processas essas pessoas pelas mesmas perspectivas, sem olhar as condições em que ela viveu ou a família”.


Denúncias de tortura


De janeiro a junho de 2023, o número de denúncias de tortura de presos mais que triplicou em relação ao do ano inteiro de 2022, de acordo com um levantamento feito a pedido do R7 pelo Núcleo de Situação Carcerária, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.


Segundo o órgão, nos primeiros seis meses de 2023, houve 211 registros de tortura contra pessoas privadas de liberdade. Isso representa um aumento de 245% em relação às 61 ocorrências do ano passado.


O uso de cachorros, balas de borracha e ameaças contra os presos, além de deixá-los sem comer, são algumas das estratégias usadas, segundo as denúncias.


SAP


A SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) afirma que não tolera desvios de conduta dos servidores e que todas as acusações são investigadas. “Caso comprovada a denúncia, o servidor é afastado e punido de acordo com a legislação”, diz a pasta.


Leia a nota da SAP na íntegra:


A Secretaria da Administração Penitenciária informa que assim que um preso dá entrada em qualquer unidade prisional ele passa por uma triagem de saúde, onde é verificado doenças preexistentes e o estado de saúde no momento de sua inclusão. Os reeducandos têm atendimento à saúde garantido em todas as unidades prisionais do Estado por meio da equipe de saúde existente. Os casos mais complexos são encaminhados à rede pública de saúde ou ao Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário da Fundação ABC, nos hospitais de referência em saúde e quando necessitam de atendimento em especialidades os presídios agendam por meio do Sistema SUS – Sistema Único de Saúde em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde.


Além disso, visando ao atendimento médico nas unidades, a secretaria conta com 92 pactuações por meio da Deliberação Comissão Intergestores Bipartite 62/2012, com 54 municípios que prestam atendimento de Atenção Básica aos reeducandos.  Atualmente, há 11 pactuações em andamento.


Quando ocorre o falecimento de um preso a família é imediatamente comunicada pela direção da unidade.


Em relação à ocorrência de homicídio, no momento da constatação as autoridades policiais são acionadas para realização de boletim de ocorrência, perícia e demais procedimentos que auxiliem na investigação policial. A SAP também realiza Apurações Preliminares e Disciplinares para averiguação do ocorrido por parte da secretaria.


A vacinação contra a Covid-19 começou em 05/04/2021 no sistema prisional paulista, tanto para presos como para servidores. Atualmente, 100% da população prisional paulista foi vacinada, sendo sempre atualizado o esquema vacinal, inclusive para novos presos quando dão entrada nas unidades prisionais. Em relação aos procedimentos de tratamento de saúde durante a pandemia, foram adotados os mesmos critérios já existentes atendendo sempre recomendação médica e orientações das autoridades sanitárias.


Superlotação, infestação de insetos e comida estragada; veja condições degradantes nos presídios de SP


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