Com o intuito de atenuar o entusiasmo em torno da inteligência artificial (IA), um outdoor foi colocado em um canteiro de obras em Antuérpia, na Bélgica, no mês de junho, com os dizeres: “Ei, ChatGPT, finalize este prédio.”
A inteligência artificial, a tecnologia subjacente aos chatbots como o ChatGPT, não estará em condições de construir apartamentos ou erguer estádios em um futuro próximo. Mas, na construção civil – setor frequentemente associado a pranchetas e planilhas do Excel –, a adoção cada vez mais veloz dessa tecnologia pode revolucionar a velocidade com que os projetos são finalizados.
Drones, câmeras, aplicativos móveis e até mesmo certos tipos de robôs estão cada vez mais sendo utilizados para mapear o progresso em tempo real em grandes canteiros de obras. Isso proporciona aos construtores e empreiteiros a capacidade de rastrear e aprimorar o desempenho de um projeto.
“Esqueça a ideia de robôs construindo arranha-céus. Sua contribuição é algo mais fundamental, como obter os dados necessários e usá-los de maneira mais eficaz”, afirmou James Swanston, CEO da Voyage Control, empresa que desenvolve software de gestão de projetos para canteiros de obras.
O setor de construção há muito tempo é visto como atrasado no mundo digital, mas os arquitetos regularmente utilizam ferramentas digitais para projetar empreendimentos e desenvolver plantas. É comum ver tablets e drones compartilhando espaço com capacetes e coletes de segurança.
Atualmente, câmeras fixadas em capacetes registram imagens de um local para coordenar a chegada de novas equipes ou materiais, e sensores de alta precisão conseguem identificar se uma nova janela está ligeiramente fora das especificações do projeto e necessita de ajustes. E a inteligência artificial está começando a ser usada na compra e venda de imóveis: a JLL, corretora de imóveis com abrangência global, apresentou recentemente o próprio chatbot para fornecer informações aos seus clientes.
Essa análise abrangente de dados está preparando o terreno para o que muitos antecipam ser melhorias significativas em matéria de precisão, rapidez e eficiência, reduzindo os prazos excessivos e o desperdício que tornaram a construção cada vez mais cara.
“A indústria da construção é a maior do mundo, no que se refere aos dólares gastos, mas é a menos produtiva em adoção tecnológica e ganhos de produtividade”, disse David Jason Gerber, professor da Universidade do Sul da Califórnia, cuja pesquisa se concentra em tecnologia avançada na construção.
Mas a adoção da tecnologia de inteligência artificial pelo setor enfrenta desafios, incluindo preocupações com a precisão e as alucinações, nas quais um sistema fornece uma resposta incorreta ou sem sentido.
E a coleta de dados adicionais tem sido um problema complicado, em grande parte por causa da natureza dos grandes projetos de construção: não há dois empreendimentos iguais, a topografia e as regulamentações locais são extremamente variadas, e novas equipes de empreiteiros e subempreiteiros são formadas especificamente para cada projeto. É como iniciar um negócio multimilionário para cada projeto de grande porte.
Coordenar o complexo vaivém de suprimentos, mão de obra e cronogramas continua sendo uma tarefa desafiadora. Mas as startups e os investidores enxergam uma oportunidade, especialmente porque os modelos de aprendizado de máquina, que aglutinam enormes quantidades de dados para identificar padrões e prever a evolução de situações semelhantes, são usados para melhorar o desempenho do projeto.
Segundo Sarah Liu, sócia da Fifth Wall, empresa de capital de risco focada em investimentos imobiliários, a pandemia já havia levado as empresas de construção a adotar mais ferramentas digitais para permitir que trabalhassem no local durante os lockdowns, acelerando o desenvolvimento de novas tecnologias: “As melhores empresas não estão se promovendo como empresas de inteligência artificial, e sim como empresas de solução de problemas.”
A empresa de consultoria em construção nPlan, liderada por Dev Amratia, que ajudou a elaborar a estratégia nacional de IA da Grã-Bretanha, utiliza algoritmos complexos para acompanhar o progresso de grandes projetos de infraestrutura e evitar erros ou interrupções no fornecimento. Seu sistema de aprendizado de máquina foi treinado com base em dados coletados de mais de 740 mil projetos.
O maior projeto da empresa até o momento, uma reforma de US$ 11 bilhões da infraestrutura ferroviária no norte da Inglaterra, usará o que aprendeu com o estudo dessa vasta gama de projetos para oferecer aos construtores mapas de projetos detalhados e em tempo real, o que deverá reduzir em até cinco por cento o custo total da obra.
A Buildots, startup de Israel que fornece orientação de gerenciamento de projetos por meio de câmeras corporais que analisam o progresso da construção, assinou um contrato para seu primeiro projeto em Nova York, um empreendimento de uso misto em Manhattan. A empresa encomendou um estudo de 64 canteiros de obras internacionais e descobriu que apenas 46 por cento dos canteiros de obras comuns estão sendo usados ao mesmo tempo, o que deixa clara a falta de organização e de programação.
“No melhor canteiro de obras que estudamos, havia uma variação de 30 por cento no progresso alcançado a cada semana. A meu ver, há enormes ineficiências nesse setor”, afirmou Aviv Leibovici, diretor de produtos e cofundador da Buildots.
As empresas de construção também fizeram investimentos significativos em sua tecnologia interna. A divisão de Serviços de Gerenciamento de Projetos da Avison Young afirma que seu software proprietário e seus programas de gerenciamento são capazes de reduzir o tempo de desenvolvimento em 20 por cento, em média.
Uma afiliada da Suffolk, grande empresa de construção sediada em Boston, investiu US$ 110 milhões para financiar startups de construção, e a Suffolk tem uma equipe de 30 analistas de dados coletando e examinando informações de locais de trabalho.
Em um canteiro de obras da South Station Tower em Boston, empreendimento de 51 andares que está sendo construído pela empresa Hines, os guindastes têm câmeras que documentam e rotulam o aço usado na estrutura do edifício, criando um conjunto de dados que poderá ser usado em outros projetos no futuro. Programas adicionais estão sendo usados para acompanhar o progresso e até mesmo prever acidentes.
“Temos desemprego zero no setor; a tecnologia só vai ajudar os trabalhadores existentes a ser mais produtivos. A IA só vai substituir as empresas que não usam IA”, disse John Fish, presidente e CEO da Suffolk.
Numa indústria em que a segurança é tão importante, existe certa controvérsia sobre o uso de IA, em decorrência dos problemas de precisão relatados. Programas como o ChatGPT têm uma tendência infeliz de ocasionalmente criar respostas com base em previsões incorretas, afirmou Julien Moutte, diretor de tecnologia da Bentley Systems, empresa de software de construção, acrescentando: “Na infraestrutura, isso é algo que não podemos nos permitir. Não podemos deixar que a IA tenha alucinações sobre o projeto de uma ponte.”
Mas a suposta capacidade de trabalhar de forma mais rápida e barata despertou grande interesse. A Dusty Robotics, empresa de tecnologia sediada em Mountain View, na Califórnia, desenvolve dispositivos autônomos para rastrear plantas de edifícios em canteiros de obras, trabalho normalmente feito à mão. Enquanto pesquisava o setor, a CEO da empresa, Tessa Lau, observou trabalhadores medindo planos com giz e fita adesiva; alguns até tentaram colar canetas em aspiradores robôs.
Lau está preocupada com a reação dos trabalhadores à invasão dos robôs e da IA em seu local de trabalho, mas, em um setor desesperado para atrair trabalhadores mais jovens, oferecer aos aprendizes em potencial a capacidade de usar drones e robôs pode ajudar no recrutamento e na retenção de funcionários.
Tony Hernandez, instrutor de carpintaria sindicalizado no norte da Califórnia que ensina aprendizes a usar drones e robôs Dusty, vê essas tecnologias como “só mais uma ferramenta”. Prefere que o robô trace as linhas em vez de ter de se abaixar e traçar ele mesmo, o que significa menos desgaste para seus joelhos.
Em última instância, a redução do risco pode ser o ponto em que essa tecnologia fará a diferença. Dependendo do local e da natureza do trabalho, o seguro pode representar até dez por cento do custo de um único projeto, que pode facilmente chegar a centenas de milhões de dólares. Agora, com a IA oferecendo maneiras melhores de executar as tarefas, há menos riscos e opções de seguro mais baratas.
c. 2023 The New York Times Company