Após mais de meia década com Origins, Odyssey e Valhalla, títulos que introduziram um sistema de combate mais voltado à ação e elementos mais profundos de RPG, chegou a hora de mudar. A Ubisoft, novamente, movimentou a fórmula de Assassin’s Creed que todos conhecemos, a fim de revitalizá-la.
A trinca de ouro composta pelos games mais recentes da franquia, para bem ou para mal, ficou conhecida por dar menos atenção à furtividade, entregando, em contrapartida, uma imensidão de conteúdo. A ideia era justamente estimular o jogador a explorar mais e se esconder menos.
Lembro como se fosse hoje de ter levado mais de 80 horas para completar a história principal de Assassin’s Creed Valhalla, uma média que não se vê todos os dias por aí, mesmo em jogos de mundo aberto. E em Valhalla, o jogo raramente me “cobrava” por não adotar um comportamento cauteloso – quase sempre tudo terminava em “trocação franca”.
Assinado pelo estúdio Ubisoft Bordeaux, Assassin’s Creed Mirage volta a olhar para as origens dos assassinos e resgata muitas das mecânicas que consagraram a jornada de Altair, protagonista do primeiro Assassin’s Creed, mantendo os alicerces modernos de Assassin’s Creed Valhalla.
Por mais difícil que seja agradar a gregos e troianos, Mirage busca mesclar o melhor dos dois mundos de AC, isto é, passado e presente, sendo capaz de agradar tanto os fãs das antigas quanto a comunidade mais nova. Convenhamos, é uma grande proeza para uma série tão longeva, que precisa se reinventar constantemente para não cair no limbo.
Fonte: Voxel
Senta que lá vem história
Para quem não se lembra, Mirage já foi anunciado como um jogo de menor escopo em comparação com os últimos títulos, um aspecto que naturalmente afeta o valor do produto – trata-se de um jogo de 50 dólares, não 60 ou 70, que são os preços cheios praticados pela maioria das empresas.
Pelo fato de ser, sim, um jogo com limitações, a história é contada de forma bastante objetiva, até com uma certa pressa, e se desenrola nove séculos após os acontecimentos de Assassin’s Creed Origins. Indo direto ao ponto, você pode finalizá-la em menos de 20 horas, dependendo do nível de dificuldade e do quão familiarizado você está com o stealth. Para os complecionistas de plantão: acrescente mais umas dez horas à conta se quiser fazer tudo.
Quem pôde desbravar a aventura de Eivor sabe bem que o rosto de Basim, o misterioso assassino de Mirage, não é tão desconhecido assim. Afinal, ele cumpriu um papel importante em Valhalla, já como um dos membros dos Ocultos, tendo sua identidade revelada como a reencarnação de um Deus antigo, o que justifica suas visões sobrenaturais.
Fonte: Voxel
Mirage remonta ao passado de Basim, dos tempos em que era um ágil ladrão nas ruas de Bagdá, ao momento em que é recrutado por Roshan para se tornar um mestre assassino, cujo objetivo maior é desconstruir a Ordem dos Anciões. Tal como nos últimos jogos, os membros da Ordem vivem vidas duplas e ocultam suas identidades, cabendo a você procurar pistas para desmascará-los.
Não é em tom pejorativo quando digo que a trama corre com certa pressa. Na verdade, esse é um dos pontos altos de Mirage. É como se a Ubisoft tivesse preservado a maneira de contar a história dos games recentes e removido todos os fillers e conversas desnecessárias. Isso não só contribui positivamente para o ritmo como também incentiva o jogador a acompanhar os trechos principais sem pular diálogos.
Mirage traz uma narrativa mais ágil e centrada na história.
Creio que muita gente largou mão de Odyssey e Valhalla em razão da história se arrastar demais, mas esse definitivamente não é um problema aqui. Arrisco dizer que, em termos de narrativa, essa é a experiência mais enxuta desde Assassin’s Creed 2. Basim pode não ter o carisma de um Ezio Auditore, mas cumpre seu papel e tem uma história de fundo bem interessante.
Fonte: Voxel
Apesar de o herói já ter dado o ar da graça em Valhalla, é sempre bom dizer que você não precisa ter nenhum conhecimento prévio da franquia para poder desfrutar de Mirage. O jogo é “fechadinho” e deixa muito bem explicado, com textos e vozes em português do Brasil, o conflito entre assassinos e o inimigo, a Ordem, contextualizando o período que antecede a fase dos templários.
De volta às sombras
Basim é um assassino à moda antiga e, portanto, prefere ser mais discreto que Bayek, de Assassin’s Creed Origins, cego pelo desejo de vingança, ou Eivor, um viking dos tempos em que a palavra sorrateiro não existia no vocabulário.
Seguindo a cartilha dos primeiros games, Mirage prioriza a abordagem furtiva e torna o combate corpo a corpo uma opção mais secundária. A pancadaria não é coreografada e automática como muitos imaginavam e funciona como em Origins, Odyssey e Valhalla, permitindo que o personagem trave a mira no oponente e execute ataques leves e carregados.
Fonte: Voxel
A esquiva não mudou muito, mas o parry foi ajustado, especialmente em relação ao timing, agora com uma janela mais flexível, proporcionando mais tempo para o jogador reagir às ações do inimigo. Não só isso: houve um salto considerável na qualidade das animações, todas numa perspectiva cinematográfica e com desfechos brutais de encher os olhos.
AC: Mirage talvez tenha o melhor combate furtivo da franquia.
O gerenciamento da barra de vigor também se faz necessário. Afinal, o personagem pode acabar incapacitado por alguns segundos se você não souber o momento certo de parar de atacar ou então se abusar da esquiva.
Já com relação às mecânicas de stealth, Mirage talvez tenha o melhor sistema de combate furtivo de toda a franquia, rápido e letal como deve ser. Além de usar a lâmina oculta para abater soldados próximos sem que seja detectado, Basim pode apelar para uma roda de ferramentas com facas arremessáveis, dardos tranquilizantes e bombas de fumaça, por exemplo, de modo a ampliar suas estratégias para operar assassinatos perfeitos.
Fonte: Voxel
Em linhas gerais, o combate corpo a corpo se mostra uma evolução tímida, porém natural de Valhalla. Enquanto isso, a jogabilidade furtiva revisita o passado para ditar um gameplay mais tático e engenhoso, nos moldes dos Assassin’s Creed clássicos.
Embora seja possível assumir uma postura agressiva, Mirage te obriga, ainda que de maneira implícita, a abraçar o lado sorrateiro, já que ações ilegais atraem a atenção de mais guardas e preenchem sua barra de notoriedade, tornando o progresso mais difícil. Quanto mais cheio estiver o medidor, maior a dificuldade do personagem de explorar a cidade sem que os guardas notem sua presença – e civis ainda podem denunciá-lo às autoridades.
Para reduzir o nível de notoriedade, Basim deve remover cartazes de procurado das ruas de Bagdá ou subornar um Munadi com fichas de poder. Portanto, sair na mão para todo mundo ver, quer queira quer não, passa a ser um último recurso, uma última carta na manga para quando você já tiver sido descoberto.
Fonte: Voxel
Uma experiência concisa
Conforme mencionado, Mirage é mais contido em tamanho, mas não se engane: há conteúdo de sobra para se aproveitar fora do caminho principal. Há contratos de facções, panoramas que revelam novas áreas do mapa e muitos colecionáveis a serem coletados, como livros perdidos, artefatos, fragmentos misteriosos e baús de equipamento.
Surrupiar objetos alheios é uma das marcas registradas de AC e algo que, felizmente, voltou a ganhar espaço. Você pode obter espólios e itens valiosos de pessoas nas ruas ao executar a ação de furtar, desencadeando um rápido e divertido minigame, cuja dinâmica requer calma, precisão e a tal da “mão leve” – falhe e os guardas não hesitarão em caçá-lo.
O mapa é enxuto em extensão. Estimo que ele represente duas, talvez três áreas das principais cidades de Valhalla, mas o conteúdo está “empacotado” e bem distribuído, deixando assim de exigir que o jogador percorra longas distâncias para alcançar pontos de interesse inéditos. A sensação é a de que temos um mundo aberto mais denso, vivo e reativo.
Fonte: Voxel
Honrando a tradição da série, AC Mirage também serve como uma grande enciclopédia, uma aula de história jogável destinada a explicar o contexto dos principais locais da região. Senti como se estivesse em um museu de Bagdá desfrutando de explicações detalhadas sobre sua história, de sua fundação à formação do exército abássida no século IX.
Terminei minha jornada imensamente satisfeito, livre daquela sensação de ter sido sobrecarregado com tanta coisa para fazer. Mirage oferece um playground honesto, nem com muito, nem com pouco, mas com a porção certa de atividades e distrações.
Pequenos contratempos na viagem
Para não falar que não há ressalvas, as missões principais carecem de variedade e só se destacam quando fogem do script das tradicionais invasões de base. Gostaria de ter passado mais tempo espionando conversas, perseguindo alvos sem ser visto e, principalmente, investigando cenários e procurando evidências num esquema parecido com o de The Witcher 3: Wild Hunt. Não é que essas atividades não estejam presentes, longe disso, é que nem sempre elas são o foco.
Fonte: Voxel
Outro aspecto que deixa um pouco a desejar é a movimentação do parkour. Não há dúvidas de que Basim executa seus movimentos acrobáticos com muito mais naturalidade que os últimos protagonistas da série, mas os comandos nem sempre acompanham sua agilidade. Isso sem contar que o jogo não deixa muito claro os obstáculos em que o personagem não pode escalar de jeito nenhum, então é viver de tentativa e erro.
O jogo estreia com alguns poucos bugs no PS5.
Jogando no PlayStation 5, plataforma que usamos para os testes, não há do que reclamar da performance de Mirage. Seja no modo desempenho, que é estável e uma ótima opção para quem preza por fluidez, seja no gráfico, no qual a taxa de quadros é menor, mas a resolução fica cristalina.
O problema são os bugs (foram poucos, é verdade) que permeiam a experiência. Em um deles, para efeito de informação, uma porta não só me deixou travado no cenário como também me impediu de progredir, me forçando a reiniciar do último checkpoint.
Fonte: Voxel
Por fim, a representação visual de Bagdá é fiel e merece elogios, com destaque para o cuidado que a Ubisoft Bordeaux teve em reproduzir monumentos históricos. Também devo enfatizar as áreas mais urbanas da cidade, sempre abarrotadas de NPCs e com muitos detalhes e objetos de interação nos cenários.
No entanto, notei que muitos dos assets parecem ter sido reaproveitados de Assassin’s Creed Origins, dado que ambos os jogos compartilham de zonas desérticas, um ponto que acaba tirando aquele “gostinho” de coisa nova do paladar. No mais, é um game tecnicamente incrível.
Progressão simplificada
Mesmo com escopo menor, Mirage não deixa de flertar com sistemas de RPG e herda muito do que se viu em Valhalla, a começar pelas melhorias de trajes e armas. A dinâmica é a mesma, embora exija diagramas específicos aqui: vá a um ferreiro ou alfaiate e use seus valiosos materiais como pagamento.
Fonte: Voxel
Os diagramas dos itens ficam espalhados pelo mundo, e você pode obtê-los concluindo favores às pessoas nos arredores de Bagdá ou abrindo baús escondidos. Ainda temos os figurinos, ou seja, skins que podem ser desbloqueadas para mudar somente a aparência do traje, não necessariamente modificando seus atributos e vantagens.
É tudo muito simples e intuitivo, e o fato de existir um generoso leque de equipamentos é mais uma forma de encorajar o jogador a continuar explorando e coletando itens depois de ter derrubado todos os líderes da Ordem.
A progressão não é baseada em pontos de experiência, e sim na hierarquia dos Ocultos. À medida que avança na história e concede ajuda pela cidade, sua classificação sobe e você ganha pontos de habilidade para resgatá-los em uma árvore dividida em três categorias: Fantasma, Trapaceiro e Predador.
Fonte: Voxel
O mais bacana é que, ao aprimorar as capacidades furtivas, de combate e exploração de Basim, as melhorias são logos sentidas na pele por serem ativas, não passivas. De novo: a árvore pode não ser tão robusta como a de Valhalla, considerando o escopo tímido de Mirage, mas garanto a você que as poucas skills disponíveis têm seu grau de importância.
Veredito
Se você se deixa levar pela nostalgia, prepare a carteira: Assassin’s Creed Mirage acerta em cheio nesse quesito, sendo um passeio pelas origens da franquia mais popular da Ubisoft – você pode, inclusive, aplicar um filtro à imagem para deixá-la com a mesma aparência azulada do Assassin’s Creed original.
Com o stealth ditando o ritmo, a nova entrada da saga dos assassinos traz o melhor dos mundos de Altair e Eivor, levando o jogador a uma inesquecível e culturalmente rica excursão por Bagdá, apesar dos contratempos pontuais durante a viagem. Do combate à exploração, Mirage mostra que talvez a Ubisoft tenha uma nova fórmula ideal a ser replicada nos próximos três games.
Nota do Voxel: 85
Pontos positivos (prós)
- Muitas possibilidades de abordar alvos
- Combate corpo a corpo com novas camadas
- Mapa enxuto, talvez até demais, mas com boas distrações
- Resgate bem-vindo das mecânicas de stealth dos primeiros títulos
- A adição da barra de notoriedade exige que o jogador seja mais cauteloso
- A premissa não é das mais inovadoras, mas a história de fundo de Basim faz valer a pena
Pontos negativos (contras)
- Formato repetitivo das missões acaba dando uma desanimada
- O comportamento errático do parkour rende alguns momentos frustrantes
Assassin’s Creed Mirage foi gentilmente cedido pela Ubisoft para a realização desta análise no PS5. O game também pode ser jogado no PS4, Xbox One, Xbox Series S e X, bem como no PC.O título ainda chega diretamente na assinatura Ubisoft +.